terça-feira, 29 de novembro de 2011

Quem é normal?


A edição nº 2244 da revista Veja, datada de 23 de novembro, nos brindou com um conjunto de reportagens sobre a ciência. Entre elas, em destaque, está a psiquiatria, escolhida matéria de capa. O repórter André Petry tenta relatar os dilemas, as conquistas e os desafios por que passa a pesquisa do cérebro humano, tão fascinante e tão desafiador.

O texto merece, entretanto, algumas considerações.

A complexidade das estruturas cerebrais são um dos maiores desafios da ciência contemporânea.
Como ciência, a psiquiatria tem definição clara sobre o que pode e o que não pode ser considerado um transtorno mental, mas está fora de suas atribuições julgar ou enquadrar comportamentos sociais.
Contamos com os avanços científicos e esperamos que eles possam contribuir para a elaboração dos diagnósticos psiquiátricos, entretanto, a prática clínica continua sendo a espinha dorsal do atendimento psiquiátrico. Também por isso, a psiquiatria não faz diagnóstico de doença exclusivamente por meio de exames biológicos do funcionamento do cérebro. E dada a complexidade deste órgão, seria temerário fazê-lo no momento atual do nosso conhecimento.
Os pacientes que procuram, muito relutantemente, a psiquiatria como “último recurso” para minorarem suas dores mentais o fazem porque, como diz o filósofo e médico britânico I. Sccading, “seus sistemas adaptativos, ao contrário dos sistemas adaptativos biológicos normais, se tornaram prejudiciais para o próprio indivíduo, para o próprio organismo”. Trocando em miúdos, e aproveitando o que foi dito pelo filósofo-psiquiatra Henri Ey, o indivíduo perdeu a liberdade de decidir o que é bom e mau para si mesmo, perdeu até a liberdade de “pecar” por conta própria, perdeu a liberdade de decidir se quer o pecado ou a virtude, o bem ou o mal, a felicidade ou a infelicidade, dado o determinismo biológico e psíquico doentio a que está submetido.
O paciente pode ficar preso a comportamentos obsessivos, repetitivos, compulsivos, impulsivos, disfuncionais, auto-lesivos, suicidas, de tal modo avassalador que perde a capacidade de amar e de trabalhar. Está preso a um automatismo mental que ele próprio reconhece ser tirânico e do qual não consegue se livrar.
Sobre o aumento do número de doenças psiquiátricas publicadas no DSM, temos consciência de que passamos por um processo evolutivo intelectual e social jamais visto na História humana. O avanço da tecnologia, a melhora nos diagnósticos e a redução do estigma contra o doente mental são sim fatores que levaram ao aumento do número de doenças psiquiátricas catalogadas e esse avanço deve ser celebrado pela comunidade mundial e não demonizado.
Promover ainda mais o estigma que há em relação ao doente mental, afirmando que a doença mental não existe, pode fazer com que pessoas abandonem tratamentos, o que, no caso da depressão, por exemplo, pode levar a consequências graves, como o suicídio. No nosso país, cerca de nove mil pessoas cometem suicídio anualmente. A maior parte delas padecia de um transtorno psiquiátrico, sendo a depressão o mais frequente.
Pensando em dialogar com a sociedade no sentido de acabar com o estigma que há em relação ao psiquiatra e ao doente mental, a Associação Brasileira de Psiquiatria lançou a campanha “A Sociedade contra o Preconceito”, no último Congresso Brasileiro de Psiquiatria, no início de novembro. A campanha ganhou a adesão de personalidades da TV, do Esporte, do jornalismo e da literatura. Pessoas que entendem a perversidade que é a estigmatização do doente mental por que passaram por isso, pessoalmente ou com familiares próximos.
Contamos com a sensibilidade do Senhor Editor e dos grandes repórteres de Veja para contribuir com o fim do preconceito e não alimentá-lo ainda mais.

É importante lembrar que a doença é o algoz e não a Psiquiatria.

(Fonte: Associação Brasileira de Psiquiatria e Revista Veja)

3 comentários:

  1. Uma certa resistencia a psiquiatria acredito que venha da falta de informação e do casamento assustador entre a psiquiatria e os laboratórios.Passa uma impressão que os psiquiatras abandonaram a questão humana, a dor e se limitaram a receber indicações dos laboratorios .Já se passaram mais de vinte anos desde que os anti-depressivos chegaram ao mercado e pouco se viu de avanço, o que aumenta a desconfiança dessa psiquiatria que se divorciou da idéia de trazer de volta o doente a sociedade.Cada dia parece mais forte o casamento, chegando a um ponto onde os mesmos médicos são tratados como a ponte que liga o paciente a indústria .Acho que poucas aréas na medicina precisam de uma mudança tão urgente quanto a psiquiatria.
    Abraço.

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  2. Iara,
    Discordo de voce quanto a falta de percepção do Psiquiatra da dor humana. A rigor, entre os médicos, creio que os psiquiatras são os que tem a maior percepção da dor humana, pois convivem com dores que, no mais das vezes, nunca sentiram. Dores físicas são mais facilmente interpretadas visto que todos, em menor ou maior grau, já sentiram, já as psíquicas são imensamente variáveis em generos e intensidades, além de poderem ser criadas sem uma razão concreta como causa.

    Zeca Vieira
    abraço...

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  3. Maria Betânia01 dezembro, 2011

    Eu acho que hoje em dia é bem mais fácil detectar um problema mental tanto para o médico quanto para o próprio paciente.As pessoas têm mais acesso as informações e com isso elas mesmas fazem uma auto analise e,consegue saber se seu problema é psíquico ou biológico.O grande problema mesmo é o maldito preconceito o qual eu mesma vivenciei,como está escrito no texto só procurei tratamento quando isso afetou o meu físico.
    Um abraço!!

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