terça-feira, 26 de junho de 2012

Casais Felizes



  Reflexões sobre os Casais Felizes
O amor é frágil, sobrevive muito mal à realidade. A felicidade é uma foto sobre uma mesa, em um mundo que adora mentir sobre si mesmo. Olhando a foto do casal feliz acima, percebo como é banal nossa revolta contra a evidente ausência de sentido da vida. Todos nesse momento atiram pedras em Elize Matsunaga, como a reforçar como são diferentes dela. Existe um pacote de mentiras básicas propagadas pelas pessoas que querem ser consideradas felizes por seus próximos. Mais uma forma de intoxicação nas próprias mentiras, desses hipócritas do bem. Quase tudo é farsa na pretensa vida superbem resolvida de gente superlegal, alto-astral, que não trai o cônjuge, que ama as plantas, que protege o planeta das sacolinhas plásticas. Aqueles que trazem no rosto o sorriso idiota da capa dos livros de auto-ajuda, essa praga que ensina as pessoas a serem mais burras do que já são, exalam um fedor que sinto de longe.
Não temos como escapar da maldição da infelicidade, pois, da mesma forma que a dor, ela está programada em nossos genes. Os homens traem muito suas mulheres, isso é uma verdade desagradável, que os escravos da mania de felicidade não gostam de admitir. Existem prostíbulos de luxo em São Paulo, repletos de executivos, cujas esposas estão na academia, ambos traindo um ao outro. Claro que também existem aqueles que são fiéis às esposas, mesmo que isso implique em sua própria infelicidade. Vivem num faz de conta supremo, onde a mentira bonita é preferível ante a nauseabunda condição humana. Pois os seres humanos vivem uma realidade terrível, com medo constante do fracasso, da doença, da mediocridade. Somos vítimas de nossas incontroláveis paixões, de nossa finitude e efemeridade. Seres esquecidos e abandonados à própria sorte, somos como barcos à deriva, navegando sem rumo por um oceano desconhecido, de instintos e impulsos, que fatalmente terminará no envelhecimento, no adoecimento e na morte. Sem opções. Viva tranquilo com isso.
Um limite muito tênue e artificial nos separa desse casal infeliz. Por puro acaso essa mulher foi presa, enquanto outra tão ou mais vagabunda que ela, com um marido tão ou mais imbecil que ele, continuam aprontando por aí. Há mais assassinos soltos do que presos, nesse mundo sem justiça. Esse pobre japonês não tinha capacidade para conquistar e seduzir mulheres com seu charme (o coitado era muito feio), mas como muitos japoneses que eu conheço, se achava irresistível. Suas gorjetas de R$ 27 mil deviam ser mesmo irresistíveis para meninas pobres e gostosinhas. Me dá é pena da putinha que teve o azar de ver morrer a galinha dos ovos de ouro. Não podia acabar bem. Nunca vai acabar bem. Esteja preparado, quando sua vez chegar, e não for mais possível fugir da miséria da existência, aí você entenderá melhor, o que significa ser o habitante de um mundo sem sentido.
Tristeza não tem fim, Felicidade sim. (Vinícius de Moraes)

terça-feira, 5 de junho de 2012

Dia Mundial do Meio Ambiente: a Hipocrisia



Adoro pensar em bobagens. Bobagens repetidas à exaustão, como economia verde, desenvolvimento sustentável e inclusão social, estão na pauta diária de pessoas que se consideram inteligentinhas, mas que no fundo não passam de hipócritas sem opinião própria, repetindo como papagaios o que dita a moda do politicamente correto, para parecerem chiques diante de outras pessoas mais desinformadas do que elas, em rodas pretensamente intelectuais. Eu gosto de conversar com estes bobinhos que defendem uma vida mais “natural”, afinal sou psiquiatra e adoro conversas estranhas. Quem alega que uma vida sem “química” é melhor, como a dos “evoluídos” índios, que vivem em contato com a natureza, deveria ser coerente com seu discurso, e assim, parar de usar sabonete e pasta de dente, que são “artificiais”, e perder os dentes apodrecidos, de maneira bem natural (não existe nada mais artificial do que conservar uma dentição saudável após os 20 anos de idade). Deveria deixar de tomar antibióticos (“químicos”), e preferir o adorável bacilo da tuberculose proliferando em seu pulmão, com maravilhosas tosse e falta de ar. A vida dos índios é uma droga, que eles toleram por absoluta incompetência e falta de opção. Por azar de nascença. Índios vivem mal, comem comidas horríveis, morrem por motivos banais. Dá para acreditar que alguém prefira nascer numa tribo suja, sem conforto, no meio do mato, viver sem acesso à educação feito bicho, ao invés de nascer numa família próspera de um grande centro, comendo bem, conhecendo o mundo, tendo acesso à informação e aos prazeres da vida moderna? Apenas um imbecil, um louco, ou mais provavelmente, um mentiroso. As mentiras bonitas, ditas com orgulho idiota, a fim de causarem boa impressão, nos cercam por todos os lados. A verdade é mais desagradável. O ser humano é egoísta, ambicioso e mesquinho. Por isso o meio ambiente está condenado à degradação total. Também por isso, movidas pela covardia dos culpados, as pessoas tem esse discurso bonitinho. Hipocrisia.
Quem quiser cuidar de reduzir a emissão de carbono faça-me o favor de ir morar no mato, não acender fogueira nem para cozinhar, e leve junto o seu discurso chato.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Branca de Neve e o Caçador


Nasce um bebê. Aquele que se torna objeto da adoração dos pais, que nele tudo investem, está predestinado a substituí-los no futuro, ocupando seu espaço. Isso acontece de forma particularmente dolorosa para as mulheres, como ilustra a fábula de Branca de Neve, um conto antigo, cuja narrativa remonta a séculos na Europa, sendo sua versão cinematográfica dos estúdios Disney, de 1937, a mais conhecida. Seu título moderno é infeliz ao enfatizar os anões, quando o centro da atenção seria o destronamento da madrasta que envelhece, enlouquecida de ciúme, ante o desabrochar da beleza e juventude da filha. É um tratado sobre a tragédia feminina, os poderes, perigos e magia da beleza da mulher e da ruína que ronda o descontrole sobre as paixões, o aniquilamento do ser ante a negação do envelhecimento, da substituição, da finitude. A estória explora os poderes femininos em três gerações. A puberdade, cujo fascínio adolescente repousa inerte, passivo, desarmado, à mercê de nossa idealização, adormecido na caixa de vidro à espera do príncipe. A fase adulta da madrasta, que sabendo-se a mais bela de todas, poderosa, sedutora e desejável, não cansa de repetir a mesma pergunta ao espelho, possível olhar masculino presente na intimidade de seu quarto. Qual a mulher que se cansa de ser admirada? Todos conhecem moças que nunca param de perguntar se ainda são amadas, não adianta repetir isso mil vezes. E por fim, a bruxa, que despojada dos atrativos físicos da juventude possui outros feitiços...
Quando nasce Branca de Neve, sua mãe providencialmente morre para ser substituída pela madrasta, a quem estão todos autorizados a odiar (quem agüenta odiar a própria mãe?). Assim, a madrasta, o espelho na parede e o caçador são os pais disfarçados. Por mais poderosa que seja, a madrasta não convence o caçador a matar Branca de Neve (ele a abandona na floresta), nem consegue manter para sempre a atenção do espelho, que tudo sabe e nunca mente. Não há espaço para duas mulheres desejáveis na família, uma deverá sair. Quem são os anões? Criaturas pré-púberes (pré-edípicas), com o tamanho de crianças e barbas de velhos, ambos excluídos do jogo sexual, não representando perigo algum à inocência de Branca de Neve, companheiros de infância, advertem-na dos perigos da bruxa, sem sucesso, pois suas visitas (da Bruxa) despertam elementos sexuais reprimidos, representados pela maçã envenenada. A incapacidade de Branca de Neve em resistir à tentação a torna mais humana, seu desmaio simboliza o esmagamento ante desejos conflitantes, e seu sono letárgico, uma morte simbólica, um rito de passagem, do qual ela desperta, de indefesa, para uma nova existência, poderosa.

...e todos vivem felizes para sempre? Nada disso, a seu tempo a tragédia se abaterá sobre Branca de Neve exatamente do mesmo jeito, quando o espelho anunciar mais um destronamento. Mas desse fato as crianças são poupadas. Schopenhauer e seus seguidores, infelizmente não.