quarta-feira, 24 de março de 2010

Remédios para emagrecer

Cassandra, a filha mais jovem e bela do rei Príamo, princesa de Tróia, já tinha tudo o que uma jovem podia desejar: riqueza, beleza e posição social. Assim, quando o Deus Apolo, filho de Zeus, por ela se apaixonou, como ela resistisse a suas investidas, nada tinha de material a lhe oferecer, subornou-a com o dom da profecia. Como profetiza, Cassandra passou a ser capaz de prever o futuro. Mesmo assim, ela recusou seu amor. Nada pior do que um Deus sexualmente frustrado. Furioso, Apolo não volta atrás (afinal ele é um Deus, digam o que quiserem deles, os deuses sempre cumprem suas promessas), mas como vingança, determina que ninguém acredite nas profecias dela. Assim se consuma a tragédia: Cassandra é capaz de prever a queda de Tróia, avisa a todos que recusem o presente dos gregos (o Cavalo de madeira do ardiloso Ulisses), mas conforme os desígnios de Apolo, ninguém a leva a sério e Tróia sucumbe.
Pacientes que me pedem receitas de remédios para emagrecer, o que acontece quase diáriamente, fazem-me reviver o drama de Cassandra. Eu aviso, explico, repito e enfatizo: esses remédios são perigosos, podem fazer muito mal, não os tomem! Advertência inútil, o desejo de emagrecer, de atingir o corpo “perfeito”, faz com que eu não seja ouvido. Conseguem os medicamentos cuja prescrição eu recuso, por outras fontes, retornando mais tarde para que eu conserte os estragos. Remédio para emagrecer, ou é enganação para ganhar dinheiro de incautos, ou é perigoso. Os que “funcionam” também causam sérios distúrbios emocionais e trazem riscos cardiovasculares. As clínicas psiquiátricas estão repletas de pessoas, principalmente mulheres, internadas devido ao uso dessas drogas, que causam depressão e psicose em quem nada antes tinha, e agravam quadros leves preexistentes.
Sendo assim, me perguntam: por que eles existem? Eu respondo: Remédio para emagrecer é presente de grego.

quinta-feira, 18 de março de 2010

O Santo Daime e a morte de Glauco

Todos sabem como é difícil, burocrático e dispendioso abrir ou fechar uma empresa neste País. Sempre senti desconforto ao pensar como é fácil, em contraste, abrir uma igreja no Brasil, bem como nas vantagens e benfícios fiscais decorrentes. Agora, pensar que o fato de pertencer a determinado credo, autorize por Lei, o uso de substancias alucinógenas, aos outros proibida, é grotesco.
Assistimos recentemente ao assassinato de Glauco por um membro da comunidade “Céu de Maria”, que alucinado, queria que fosse feita, à sua mãe, a confirmação de que ele era Jesus Cristo. Estava na capa dos jornais de ontem, sorrindo, após ser preso tentando fugir do país com um punhado de maconha.
O chá do Santo Daime é feito com uma combinação de plantas amazônicas, que resulta numa bebida com efeitos alucinógenos, chamada “Ayahuasca”, termo de origem quíchua que quer dizer, “cipó dos espíritos”. É conhecido há longa data por povos indígenas, que dele fazem uso em rituais xamânicos. Nos anos 30, Raimundo Irineu Serra, seringueiro conhecido como “mestre” Irineu, apaixonado pelos efeitos psicotrópicos da droga, na região fronteiriça entre Bolívia, Acre e Rondônia, criou uma religião cujos cultos se fazem sob efeito dela, frequentemente associado ao uso de maconha, o que não costuma ser publicamente admitido pelos adeptos, pois esta ainda não foi liberada. Nessa região inóspita, distante e isolada, o uso da droga cresceu e se popularizou. Várias dissidências e ramificações surgiram, e os cultos proliferaram. A maior explosão de consumo aconteceu de fato nos anos 60, quando José Gabriel da Costa criou o culto da “União do Vegetal”, em Porto Velho. Eram os anos da contracultura, dos hippies, de Woodstock, com forte apelo ao uso de drogas em geral. Jovens educados e de famílias com posses, com origem principalmente no Sudeste, se deslocavam até a o distante então “território” de Rondônia onde, em meio à mata, longe da civilização, podiam se entregar ao uso da droga. Uma alternativa, para se evitar o transtorno desta longa viagem e tornar o uso mais freqüente, tem sido criar “filiais” dessa igreja em outros estados.
Me pergunto se, algum dia, alguém terá a idéia de chegar aos mesmos objetivos alegados pelos usuários da ayahuasca, de atingir a autoconsciência e encontro com deus, mediante o uso de cocaína ou crack. Espero que pelo detalhe de se dizer “religioso”, a lei não o autorize.

Sugiro a leitura:

http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/daime-inconsistencias-e-absurdos/

quarta-feira, 17 de março de 2010

O Dragão em minha biblioteca

André (nome fictício de um paciente) me convidou para conhecer o Dragão que vive em sua biblioteca. Adorei a idéia, afinal eu sempre quis ver um dragão de verdade. Oportunidade rara! Lá chegando, vi livros, estantes, poltrona, mas nada do dragão...
-Onde ele está?- perguntei.
-Ora, está aí- respondeu André, apontando adiante- Esqueci de lhe dizer que o dragão é invisível, só aparece quando lhe convém.
Eu proponho espalhar farinha no chão para ver suas pegadas.
-Ótima idéia- ele diz-, mas este dragão levita no ar.
Sugiro borrifar o dragão com tinta para torná-lo visível.
-Não vai adiantar, pois é um dragão incorpóreo e a tinta não vai aderir.
A idéia de usar um sensor infravermelho é rechaçada:
-Boa idéia, mas seu fogo invisível é desprovido de calor.
-Que tal deixarmos um gravador e uma câmera permanentemente ligados para flagrá-lo em seus momentos de aparição- digo.
-Inútil, pois suas aparições se dão numa dimensão que a câmera nem o gravador são capazes de registrar. E assim por diante...
Estou pensando: qual seria a diferença de um Dragão invisível, incorpóreo, flutuante, que cospe fogo atérmico, que apesar de presente, não pode ser visto nem filmado, e de um Dragão inexistente? A minha incapacidade de invalidar a hipótese de meu paciente, não é absolutamente a mesma coisa que provar sua veracidade.
Marcos, um outro paciente, diz saber que existe um prato de Capeletti no Brodo orbitando Saturno, que após morrer, em sua viagem celestial, fará ali uma parada para saboreá-lo. Não tenho como testar sua afirmação, que se mostra imune às minhas refutações. Nem por isso ela se torna verdade.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Quem é você?

“Conhece-te a ti mesmo”, estava escrito em mármore num dos locais mais venerados da Grécia antiga, o Oráculo de Delfos. Esse é o mais simples, profundo e difícil conselho da filosofia. Disse-o Tales, Sócrates repetiu-o, acrescentando que “a vida sem reflexão, não merece ser vivida”.
O auto-conhecimento requer tempo, pensamento e humildade, uma das buscas mais difíceis na vida. É adquirido, à medida que o tempo passa, mas para obtê-lo, temos de refletir no que experimentamos e examinar como pensamos. É um processo pessoal que é parte descoberta, parte invenção. A questão da identidade pessoal envolve grandes temas filosóficos, nossas atitudes frente à vida e à morte, aos outros, ao trabalho, nossas expectativas.
Nossas reações constituem uma parte profunda de quem somos.O que você ama? Do que você gosta? O que não valeria sua preocupação? Com que você realmente se importa? O que você espera da vida? As respostas vão mudando à medida que o tempo passa e experimentamos diferentes caminhos possíveis. Conforme exploramos o mundo exterior, reformulamos nosso mundo interno.
“Quem sou eu?” é menos uma pergunta por responder, reflete mais uma postura perante a vida, acompanhada de outra: “o que estou me tornando?”. Somos responsáveis pelo que fazemos com os talentos e oportunidades que recebemos. Somente o próprio processo irá, enfim, responder à pergunta de quem somos nós.

quinta-feira, 11 de março de 2010

O umbigo de Adão


Adão tinha umbigo?

Parece banal, mas esta questão atormentou os teólogos durante muitos anos, alimentando discussões acaloradas. Concluíram que Deus fizera Adão igual a todos os outros homens, portanto com umbigo, apesar de não ter havido nenhuma placenta. Quando as evidências geológicas se acumularam, indicando que o planeta Terra era muito mais antigo do que se imaginava, e havia indícios de estranhos e enormes animais, hoje extintos, os criacionistas argumentaram que da mesma forma como Deus dera um umbigo a Adão, deu à terra a impressão de um passado remoto, incrustado em suas entranhas. Já esses “dragões” ou monstros “antediluvianos”, atualmente conhecidos como dinossauros, foram os infelizes gigantes que, por não caberem na Arca de Noé, sucumbiram ante ao afogamento no Dilúvio.
Assim como o planeta, suas criaturas e mistérios teriam falsos registros do passado, nós também temos memórias falsas em nossa mente, com a diferença que desta vez não se trata de especulação. Estudos psicológicos mostram que a memória é muito pouco confiável e pode ser manipulada. A cada vez que evocamos uma recordação, moldamo-la com as ferramentas do presente. É preciso ser muito cauteloso e um pouco cético, pricipalmente em questões judiciais e envolvendo psicoterapia.

terça-feira, 9 de março de 2010

Maconha eleva risco de psicose

Entre jovens que fumam maconha há seis anos ou mais, o risco de apresentar episódios psicóticos de alucinação ou delírios pode chegar a ser o dobro do verificado entre as pessoas que nunca consumiram a droga, segundo um estudo publicado no periódico "Archives of General Psychiatry". De acordo com o trabalho, quanto maior a duração do uso da maconha, maior o risco de se manifestarem os sintomas da psicose.
A pesquisa, que estudou 3.801 homens e mulheres de 26 a 29 anos, é a primeira a analisar o skunk -maconha mais forte, com maiores quantidades do ingrediente psicoativo THC (tetrahidrocannabinol). A pesquisa também avaliou 228 pares de irmãos, o que sugere que fatores genéticos ou ambientais têm menos chance de serem responsáveis pela psicose e pelas alucinações.
"Já desconfiava-se da relação entre o uso crônico da maconha e o aparecimento de casos psicóticos, mas este parece ser o primeiro estudo que dá uma base científica a essa visão que nós tínhamos", afirma Arthur Guerra, psiquiatra responsável pelo Grupo de Drogas da Faculdade de Medicina da USP.
A ONU estima que 190 milhões de pessoas usem maconha no mundo todo.

Folha de São Paulo, 03 de março de 2010

segunda-feira, 8 de março de 2010

Hipócrates

Hipócrates de Cós, considerado o pai da medicina, a quem prestei juramento, é celebrado sobretudo por seus esforços em arrancar a medicina do terreno da superstição e trazê-la à luz da ciência. Há 2500 anos escreveu: “Os homens acham a epilepsia divina, simplesmente porque não a compreendem. Mas se chamarem de divino tudo o que não compreendem, ora, as coisas divinas não terão fim”. Em vez de reconhecer que em muitas áreas somos ignorantes, somos inclinados a dizer que o Universo está impregnado de entidades mágicas. A deuses são atribuídos as responsabilidades por aquilo que ainda não compreendemos. Conforme o conhecimento do universo se amplia, estreita-se o que tinha de ser atribuído à intervenção divina, a respeito das causas e tratamento das doenças. Hipócrates introduziu elementos do método científico no diagnóstico e tratamento, recomendava a observação meticulosa, a honestidade e a humildade dos limites do conhecimento. Não se envergonhava de sua ignorância, mas procurou afastar os elementos de magia da prática médica. Se a mortalidade infantil, bem como as mortes durante o parto despencaram, isso se deve à aplicação do método científico à medicina. A expectativa de vida subiu de 30 anos na Idade Média, para 50 anos em 1915, ultrapassando hoje os 80 anos.
A epilepsia perdeu sua aura de doença divina, perdeu um pouco de seu misterioso charme, para a alegria de todos, e hoje é totalmente tratável.

terça-feira, 2 de março de 2010

A Lealdade das Mulheres

Em recente conversa com uma paciente, abordei o tema da lealdade feminina a seus parceiros, que considero muito diferente da masculina. Lembrei que durante anos atendendo casais soropositivos ou com AIDS, constatei que os homens frequentemente abandonam suas parceiras, caso elas se descubram contaminadas com HIV. Mas não me lembro de ter visto uma mulher que fizesse o mesmo, na situação inversa. Lembrei então de um excelente artigo de Contardo Calligaris abordando o mesmo tema, recentemente na Folha de São Paulo, que recomendo:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq1802201025.htm  (assinantes UOL/Folha) , ou:
http://fredrodrigues.posterous.com/folha-de-spaulo-contardo-calligaris-a-lealdad  (geral)

segunda-feira, 1 de março de 2010

Ahmadinejad e os Homossexuais

Em visita à Universidade Columbia nos EUA, o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, ao ser questionado sobre o tratamento que os homossexuais recebem em seu país, respondeu: “Não temos homossexuais no Irã,como acontece nos EUA. No Irã não existe esse fenômeno.”
Não acredito que isso seja verdade, tampouco que ele mesmo esteja convencido de suas palavras. Acredito que no Irã, como em qualquer outro lugar do mundo, existam homossexuais, mas a diferença seria a maneira como são tratados, sendo eliminados ou escondidos. Quero chamar a atenção aqui para a maneira de lidar com o problema. Ao invés de enfrentar o desconforto de enxergá-lo e discuti-lo, ele optou pela cômoda saída de não vê-lo, negando sua existência. Isso encerra a discussão, mas não elimina a dificuldade.
A negação é um mecanismo de defesa contra ansiedade, é humano, e todos se valem dela em um momento ou outro da vida. Mas é primitivo, por isso ele pareceu infantil e caricato com sua resposta. É algo mais complexo do que a simples mentira. E pode causar muitos danos, principalmente quando se pensa em enriquecimento de urânio.