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sexta-feira, 25 de julho de 2014

As Pontes de Madison: um mergulho na natureza e mistérios do amor.


Francesca (Meryl Streep, ganhando o Oscar por esta atuação) é uma dona de casa comum, casada com um homem digno, que a respeita e com quem tem dois filhos. Sua vida familiar é tranquila, funcional, sem grandes dramas. Rotina, porém, que também é esmagadora e tediosa. Esta calmaria, aparentemente previsível, prenuncia a chegada de uma tempestade. Algo está faltando. Eterno insatisfeito, o ser humano, ao atingir uma aparente realização e estabilidade (no caso, a meia-idade), volta seu olhar para dentro de si, sentindo-se descontente. Francesca parece querer viver algo além do que a vida lhe oferece no momento. A consciência, sempre se transformando e evoluindo, traz a necessidade de um encontro mais profundo, que revelará o que há de mais sensível e secreto em sua individualidade.

Platão, há 2.400 anos, já nos dizia que a verdade é inatingível, algo que sempre está além. Quando imaginamos tê-la alcançado, descobrimos que precisamos seguir adiante, numa busca sem fim, como chegar ao horizonte, irrealizável. Em "O Banquete", ele nos conta que, no passado, existiam os andróginos, seres completos, com dois gêneros, tanto masculino, como feminino. Estes seres seriam tão completos, perfeitos e felizes, a ponto de sua plenitude incomodar aos deuses, que sentindo-se ameaçados por tamanha harmonia, levaram o maior dentre eles, Zeus, a partir os andróginos em duas metades, separando-as para sempre. Os humanos seriam descendentes desses andróginos mutilados, espalhados pelo mundo, todos ainda a procura de sua "metade perdida". Quando nos apaixonamos, sentimos a sensação maravilhosa de termos encontrado nosso "contrário", e nos sentimos temporariamente completos, novamente felizes. Platão nos diz que isso é uma ilusão, pois afirma que o objeto de amor sempre está ausente, ou seja, "o que se ama é somente aquilo que não se tem". 

Francesca, durante a ausência de sua família (por apenas quatro dias), conhece o fotógrafo Robert Kincaid (Clint Eastwood), e por ele se apaixona. Como ela mesmo revela depois em seu testamento, não se passou um único dia desde então, em que ela não pensasse nele. Entregar-se a esta paixão traz a estranha sensação de que ela não é mais dona de si mesma. Este homem faz com que suas reações, pensamentos, esquemas rotineiros de lidar com a vida, entrem em colapso. Ela passa pela descoberta de um "eu desconhecido", alguém estranho dentro dela, que estava lá, adormecido, esperando para ser acordado pelo outro. Passa a ter pensamentos com os quais não sabe o que fazer. Tudo o que pensava ser verdade a seu respeito desaparece. Passa a agir como se fosse outra pessoa e, no entanto, sentindo-se mais verdadeira do que nunca anteriormente. A grande tragédia de seu adultério é a consciência de fazer algo contra alguém que não o merece: seu marido traído é inocente.

Voltando a Platão. A busca de reparação do sofrimento infligido pelos deuses, essa busca do paraíso perdido, após o pecado original, através do amor irresistivelmente projetado no outro; como ensinou o filósofo, se mostra impossível. Francesca se dá conta que o amor não obedece às nossas expectativas, seu mistério é puro e absoluto. Ela percebe que o amor que vive com Robert, não duraria se eles continuassem juntos. E o tanto que ela compartilha com o marido, desapareceria se eles se separassem. A contradição aparente é que, para que o amor dos amantes sobreviva, eles precisam se separar ("o que se ama, é aquilo que não se tem"). Sem saída, ela opta por continuar casada, não nega o que sente por Robert, sofre e enfrenta. Diante da necessidade de deixar para trás o que passou e enfrentar o que desponta, ela sacrifica (torna sagrado) o presente (seu amor por Robert), preservando valores imprescindíveis, como a criação dos filhos, a parceria de confiança e generosidade que tem com o marido. A solução que ela encontra, a grande síntese, consiste em reprimir o amor, permanecendo com a família. Apesar da ausência daquele a quem ama, passa a viver com ele secretamente por toda a vida, internalizado, na verdade mais profunda, como parte de sua alma, sua metade perdida.



AUSÊNCIA
Por muito tempo achei que ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje, não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.
(Carlos Drummond de Andrade)


terça-feira, 3 de dezembro de 2013

O Pomo da Discórdia (às vezes convém ficar quieto)




Para a festa do casamento de Peleu e da ninfa Tétis, futuros pais de Aquiles, os deuses do Olimpo, preferiram não convidar Éris, a deusa da discórdia. Ninguém queria vê-la em dia de festa, pois onde ela aparecia, as brigas e desentendimentos suplantavam a harmonia. Mas, como não podia deixar de acontecer, Eris aparece justamente onde não foi chamada, furiosa. Para se vingar, joga na mesa dos deuses um pomo de ouro com a inscrição: “Para a mais bela”. Como era de se esperar, as três deusas mais próximas, se consideraram merecedoras, e o conflito lentamente se insinua até terminar em tragédia. Zeus, experiente chefe de família, chamado para decidir a questão, gentilmente recusa a tarefa, evitando tomar qualquer partido na briga. A decisão recai sobre Páris, príncipe de Tróia, que com a ingenuidade da juventude, aceita o papel de juiz.
As três deusas se apresentam a Páris, e cada uma delas, para receber a indicação de “a mais bela”, e então poder levar o pomo de ouro, a fim de ganhar seu voto, promete a ele aquilo que ela própria representa. Hera, esposa de Zeus, que reina sobre os deuses, promete que, se for a escolhida, Páris receberá um reino sem igual na terra. Atena, deusa da inteligência, das artes e da guerra, lhe garante, sendo eleita, sabedoria e glória. Já Afrodite, deusa do amor, lhe garante a sedução da mais bela dentre todas as mortais.
Páris dá o pomo a Afrodite. Para a grande infelicidade de todos, a mais bela mortal é Helena, mulher de Menelau, rei de Esparta. Com ajuda de Afrodite, então Páris seduz e rapta Helena, dando início à maior guerra de todos os tempos: a Guerra de Tóia. Eris conseguiu seu objetivo. Não é por acaso que o nome da deusa da discórdia é tão parecido com o nome do deus do amor: Éris e Éros. É porque passamos de um ao outro com imensa facilidade, a ponto de se dizer que são faces opostas do mesmo fenômeno. Amor e discórdia.
Fez bem Zeus ao ficar de boca fechada.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

As drogas e o canto das sereias


Terrível era o destino dos navegantes que encontrassem sereias em seu caminho. Ao ouvir seu irresistível canto, embalados por sua beleza, eles se atiravam enlouquecidos ao mar, onde se afogavam. Por isso, homens do mar experientes as evitavam. Mas o astuto Ulisses, herói da Odisséia, era um homem de interesses insaciáveis e, ao voltar da guerra de Tróia, quis correr o risco de conhecer o que de tão perigoso havia nesse (en)canto. Ao invés de desviar delas, resolveu conhecê-las. Seu plano era simples, foi firmemente amarrado ao mastro de seu navio, enquanto sua tripulação continuava remando, com os olhos fixos no chão e ouvidos tapados com cera, protegidos assim dos sons e imagens das sereias. A ideia seria que, durante a passagem do barco pelo território delas, apenas Ulisses, amarrado e impotente, pudesse contemplar seus feitiços e ter uma ideia de sua força. E assim foi. Homero nos relata que ao ouvir os cantos das sereias, Ulisses arrependido de seu plano, mudou de ideia, e quis se soltar. Não conseguindo, ficou furioso, se descontrolou, gritava, berrava e implorava para sua tripulação (que não o podia ouvir) que o libertasse das cordas, pois ele preferia se atirar desesperadamente ao mar, e ficar ali com aquelas sensações maravilhosas, até então desconhecidas e inimagináveis, mesmo que isso lhe custasse a vida. E era verdade, se tivesse sido solto ele se atiraria ao mar por vontade própria, para morrer com as sereias. Mas o barco passou, e Ulisses se viu livre do encanto para seguir não só a viagem, mas sua vida.

Toda a Odisséia, que narra a fantástica viagem de Ulisses de volta para Ítaca, após a guerra de Tróia, em meio a perigos e criaturas fantásticas, nada mais é do que a história de um homem tentando voltar para o aconchego do lar e o convívio da família, após um cansativo dia de trabalho. Em nossa jornada diária, nos deparamos com obstáculos e dificuldades, que às vezes parecem monstruosas e intransponíveis, como os Cíclopes e monstros da Odisséia.
A imagem do canto das sereias é ótima para ilustrar um problema de abordagem delicada. Falar sobre “drogas” pode ser difícil, primeiro porque é preciso discuti-las individualmente, cada uma traz questões peculiares. Os problemas decorrentes do uso de maconha são muito diferentes daqueles da cocaína, e assim por diante. Grande erro é colocá-las no mesmo “pacote” em uma discussão, o que muitos medrosos e desinformados fazem, e é isso que leva os argumentos dos idiotas que marcham pela maconha parecerem sensatos, misturar alhos com bugalhos, desviar a atenção da verdade que importa.
Nem todos sabem na prática, e não em teoria, o quanto a cocaína pode ser deliciosa; e poucas pessoas conseguem falar abertamente o que pensam sobre isso, sem mentir ou se expor. A cocaína pode ser tão extasiante quanto o canto das sereias, e fazer com que uma pessoa, que não esteja fortemente amarrada ao mastro, perca o rumo e não consiga voltar para casa. Com a maconha os problemas são outros. Quem usa maconha não está nem aí se vai ficar amarrado ao mastro, se vai se soltar, se fica, se vai, ou se foi. Ele vai rir o riso estúpido dos imbecis, numa apatia desapaixonada, independente do que aconteça. 
As sereias possuem uma arma ainda mais terrível do que seu canto: o silêncio.
 (Fraz Kafka)

quarta-feira, 24 de março de 2010

Remédios para emagrecer

Cassandra, a filha mais jovem e bela do rei Príamo, princesa de Tróia, já tinha tudo o que uma jovem podia desejar: riqueza, beleza e posição social. Assim, quando o Deus Apolo, filho de Zeus, por ela se apaixonou, como ela resistisse a suas investidas, nada tinha de material a lhe oferecer, subornou-a com o dom da profecia. Como profetiza, Cassandra passou a ser capaz de prever o futuro. Mesmo assim, ela recusou seu amor. Nada pior do que um Deus sexualmente frustrado. Furioso, Apolo não volta atrás (afinal ele é um Deus, digam o que quiserem deles, os deuses sempre cumprem suas promessas), mas como vingança, determina que ninguém acredite nas profecias dela. Assim se consuma a tragédia: Cassandra é capaz de prever a queda de Tróia, avisa a todos que recusem o presente dos gregos (o Cavalo de madeira do ardiloso Ulisses), mas conforme os desígnios de Apolo, ninguém a leva a sério e Tróia sucumbe.
Pacientes que me pedem receitas de remédios para emagrecer, o que acontece quase diáriamente, fazem-me reviver o drama de Cassandra. Eu aviso, explico, repito e enfatizo: esses remédios são perigosos, podem fazer muito mal, não os tomem! Advertência inútil, o desejo de emagrecer, de atingir o corpo “perfeito”, faz com que eu não seja ouvido. Conseguem os medicamentos cuja prescrição eu recuso, por outras fontes, retornando mais tarde para que eu conserte os estragos. Remédio para emagrecer, ou é enganação para ganhar dinheiro de incautos, ou é perigoso. Os que “funcionam” também causam sérios distúrbios emocionais e trazem riscos cardiovasculares. As clínicas psiquiátricas estão repletas de pessoas, principalmente mulheres, internadas devido ao uso dessas drogas, que causam depressão e psicose em quem nada antes tinha, e agravam quadros leves preexistentes.
Sendo assim, me perguntam: por que eles existem? Eu respondo: Remédio para emagrecer é presente de grego.