De repente, uma imensa necessidade de me confessar. Não de
obter perdão, estranhas que me são as idéias de deus ou pecado. Para mim pecado
é sinônimo de afrodisíaco. Abro mão da justiça divina, em troca da realidade.
Sou médico, não acredito em deus, acredito no Rivotril, por isso o prescrevo,
ao invés de sugerir orações.
Hoje, preciso me confessar. Acho que já distribuí uma boa
dose de amargura pela vida, e a todos a quem causei dor, a quem menti, enganei
ou trai; gostaria que soubessem que o sofrimento que causei, com certeza não
era minha intenção original, apenas um efeito colateral do fato de que, sendo humano,
sou também fraco, imperfeito, inseguro, repleto de desejos indecentes, de
controle precário. Deixo muito a desejar, principalmente para quem tem mania de
felicidade; para quem presta atenção nas conversas de Ana Maria Braga com o
Louro José.
No moderno confessionário (o consultório), muitos me
procuram com a queixa de uma "falta de sentido na vida", sinal de
inteligência e angústia, que compartilho. Sei bem qual é esse sabor. Não acho
que isso seja um problema em si. Eu também não vejo sentido na vida, em deus ou
na ciência. Idiotas adoram ídolos de gesso e idéias mitológicas (religiosas) infantis.
Não entram em contato com o pavor do abismo e do vazio. Nas minhas noites de
insônia e desalento, descobri que só consigo sentir sentido na arte, na beleza
(que desesperadamente procuro) e na poesia (que me acalenta), é isso que tento
levar a meus pacientes. É importante continuar de pé, mesmo sabendo-se finito,
injusto, egoísta, mesquinho e covarde. Meus pacientes estão livres da tirania
da felicidade. Santo Agostinho, me perdoe.