quarta-feira, 24 de abril de 2013

Confissões


De repente, uma imensa necessidade de me confessar. Não de obter perdão, estranhas que me são as idéias de deus ou pecado. Para mim pecado é sinônimo de afrodisíaco. Abro mão da justiça divina, em troca da realidade. Sou médico, não acredito em deus, acredito no Rivotril, por isso o prescrevo, ao invés de sugerir orações.
Hoje, preciso me confessar. Acho que já distribuí uma boa dose de amargura pela vida, e a todos a quem causei dor, a quem menti, enganei ou trai; gostaria que soubessem que o sofrimento que causei, com certeza não era minha intenção original, apenas um efeito colateral do fato de que, sendo humano, sou também fraco, imperfeito, inseguro, repleto de desejos indecentes, de controle precário. Deixo muito a desejar, principalmente para quem tem mania de felicidade; para quem presta atenção nas conversas de Ana Maria Braga com o Louro José.
No moderno confessionário (o consultório), muitos me procuram com a queixa de uma "falta de sentido na vida", sinal de inteligência e angústia, que compartilho. Sei bem qual é esse sabor. Não acho que isso seja um problema em si. Eu também não vejo sentido na vida, em deus ou na ciência. Idiotas adoram ídolos de gesso e idéias mitológicas (religiosas) infantis. Não entram em contato com o pavor do abismo e do vazio. Nas minhas noites de insônia e desalento, descobri que só consigo sentir sentido na arte, na beleza (que desesperadamente procuro) e na poesia (que me acalenta), é isso que tento levar a meus pacientes. É importante continuar de pé, mesmo sabendo-se finito, injusto, egoísta, mesquinho e covarde. Meus pacientes estão livres da tirania da felicidade. Santo Agostinho, me perdoe.

4 comentários:

  1. Grande Dr. Mauricio, gostei da parte que você fala de que encontra alívio, na arte e em tudo que é belo, acho que isso também faz parte das coisas de Deus, vejo que não está muito longe da religião pois seus sintomas são de alguém que está tentando se religar com algo, seja o nome que quizer dar, deus, ciencia ou até o santo rivotril,,rsrs.. abração e sempre é bom lê seus textos..

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  2. É uma sensação que chega com o passar dos tempos, "porquê estamos vivos?", e muitas decepções ainda geraremos para os demais, muita frieza ainda iremos transmitir, assim como muitos outros golpes. Mas antes assim, do que escravo da tirania da felicidade, onde o efeito rebote é muito mais doloroso. Mas tentemos manter a postura para não golpear desnecessariamente, mas apenas para despertar.

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  3. Qualquer forma de vida, inclusive a inteligente, por ser produto do acaso não tem qualquer objetivo, a não ser ser um fim em si mesma. Cristo tinha razão quando pregou sua máxima "Crescei e multiplicai-vos". Estamos aqui apenas para isto, não há qualquer outro objetivo. Assim, haja angústia existencial.

    Uma boa base, para não sermos tão maus uns com os outros, é sabermos que estamos sós e que ainda somos "finitos, injustos, egoístas, mesquinhos e covardes", muito adequados os qualificativos para a raça humana, ôôôh raça !!!

    Zito.

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  4. Antiga Paciente19 maio, 2013

    Eu também me sinto assim.
    Na obrigação de demonstrar felicidade independente das circunstâncias.
    Seja otimista, sorria,pense positivo,aquela velha história de sempre...
    A tirania da felicidade.

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