sexta-feira, 25 de maio de 2012

Psicologia da Religião: A Teoria do Mundo Justo


O estudo psicológico das religiões nos leva a pensar sobre esta teoria, presente atualmente em muitas das religiões em moda no ocidente. Ela afirma que existe um Deus, que é não apenas sábio e poderoso, mas também bom e justo. Esse Deus zelaria pela ordem no universo e teria interesse direto no bem-estar dos homens. Acreditar nisso, leva a consequências na percepção de como o mundo funciona. O mundo é sentido como menos hostil, baixa a expectativa de aleatoriedade e do acaso na determinação dos acontecimentos e na distribuição de alegrias e desgraças. Isso explica a constatação de que as pessoas religiosas tendem a ser mais conservadoras, menos envolvidas em propostas de mudança social e mais acomodadas diante dos infortúnios. Assim, quanto mais se acredita que Deus tem interesse nos homens, mais o mundo deve ser justo e cada um deve estar recebendo o que merece. Levando esse pensamento adiante, então quem está se dando mal na vida, deve ter feito algo para merecê-lo. Não acreditar nisso cria uma contradição, uma incongruência que precisaria ser resolvida para quem valoriza a lógica do mundo justo. Culpa-se a vítima, negando a legitimidade de seu sofrimento, a fim de proteger a fé que se professa. Ou seja, o que parece injustiça, na verdade seria consequência do pecado, caso contrário, Deus não seria bom, o que, para o religioso é impensável. Pensar nos fatos até sua consequência final pode fazer com que aqueles que acreditam na teoria do “mundo justo”, sejam mais "malvados".
Conforme nos ensina Piaget, é da natureza das crianças achar que o mundo tem formas de organização, o que permite o aprendizado e a educação. A religião, seria uma forma de pensamento que parasitaria essa predisposição mental, que é um fenômeno biológico inato do cérebro humano, conforme nos explica Renato Zamora Flores, Prof. Adjunto da UFRGS, autoridade no assunto. Ele nos mostra como o otimismo religioso do mundo justo está associado a maiores níveis de fertilidade, ou seja, pessoas religiosas tendem a ter mais filhos, o que, nos leva a um aumento na proporção de pessoas religiosas na população, no melhor estilo darwinista.
Parece mentira, mas não é: fundamentalistas religiosos acreditam que quem ganha na loteria fez mais por merecer que quem não ganhou... Continue apostando nessa ideia para ver onde acaba.

Depois faço a loteca com a patroa,
Quem sabe, nosso dia vai chegar...
E rio, porque rico ri à toa,
Também não custa nada imaginar...
(Vinícius de Moraes)

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Ironia


Parece que Pitágoras (séc.VI a.C.) teria sido o primeiro a usar o termo filosofia (philos-sophia), que significa “amor ao conhecimento”. Como o próprio nome já indica, o filósofo não se considera um “sábio” (sophos), mas alguém que procura (philos: que gosta, que tem afinidade) a sabedoria, o conhecimento. Mais do que um saber, a filosofia é uma atitude diante da vida, tanto no dia-a-dia, quanto nas situações-limite, que pressupõe constante disponibilidade para a indagação. Por isso, Platão e Aristóteles afirmaram que a principal característica do filósofo é admirar-se, ser capaz de se surpreender com o óbvio e questionar as verdades estabelecidas. Essa é a condição para problematizar, o que caracteriza a filosofia não como posse da verdade, mas sim como sua busca sem fim. Algo parecido, como me indicou minha amiga Luiza Pastor, muito apropriadamente, com a postura do bom artista, que o ranzinza aqui criticou.
Do termo eironeia, “ação de perguntar, fingindo ignorar”, veio “ironia”. No sentido atual, usamos a ironia para dizer algo expressando exatamente seu contrário. Por exemplo, afirmo que algo é bonito, na verdade insinuando que é feio. De maneira similar, para Sócrates (470-399 a.C.), a ironia consiste em perguntar, simulando não saber e, assim, provocar a reflexão e o questionamento, sobre o que antes parecia estabelecido. É uma maneira de se fazer sentir a fragilidade do que julgamos conhecido. O interessante dessa postura é que nem sempre as discussões chegam a uma conclusão efetiva, mas traz o benefício do abandono das certezas, que julgamos ter sobre os fatos. Assim como, ao estudar um assunto, paradoxalmente, o que vai aumentando é nossa sensação de ignorância, e não de conhecimento. Uma resposta só traz mais (e mais difíceis) perguntas. Sócrates vagava por Atenas interpelando os transeuntes, perguntando coisas que pareciam óbvias, como “o que é a beleza?”, “o que é a justiça?”, incentivando o diálogo e o pensamento.
Como psiquiatra, costumo dizer que as certezas me preocupam, não as dúvidas. Exemplo: um doente tem a convicção de ser Napoleão. Enquanto ele tiver uma certeza fixa disso, está numa situação muito doentia. Quando ele começar a aceitar apenas a leve possibilidade de que possa estar errado (a dúvida), temos o início da melhora. Essa convicção é um delírio, uma crença falsa, inquestionável, imune à argumentação. A dúvida, para mim, é um indicativo de saúde.
Concluindo, a filosofia é a procura, não a posse, da verdade. A ironia, um instrumento nessa busca.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Provas da existência Deus: 05- Beethoven



Sonata para piano, opus 27, nº2, "Ao Luar".
(ouvir de olhos fechados e sem pressa, ou não ouvir)


1801: em algum lugar da Áustria, por algum motivo que nunca saberemos, Beethoven sentiu algo. Consigo imaginá-lo fechando os olhos, ao mesmo tempo em que transmite esse sentimento a um papel, através de uma partitura. Duzentos anos depois, eu fecho os meus olhos e, através de sua música consigo “sentir” o mesmo que ele.
Que estranha magia é esse negócio de música. Não tem materialidade, não posso tocá-la nem vê-la, e no entanto, ela possui essa capacidade de me emocionar. Onde fica guardado esse sentimento? Está na partitura, na mente do autor, no arquivo de MP3? Quando desligar o som, para onde irá? Não seria o meu corpo, como uma vitrola, que durante um breve tempo produz uma música? E quando eu morrer, será que essa música desaparecerá? Ou continuará tocando de vez em quando, sendo ouvida e influenciando os sentimentos das pessoas a quem eu amei?

Aquele que tiver ouvidos para entender, entenda.