segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Branca de Neve e a Madrasta

Nasce um bebê. Aquele que se torna objeto da adoração dos pais, que nele tudo investem, está predestinado a substituí-los no futuro, ocupando seu espaço. Isso acontece de forma particularmente dolorosa para as mulheres, como ilustra a fábula de Branca de Neve, um conto antigo, cuja narrativa remonta a séculos na Europa, sendo sua versão cinematográfica dos estúdios Disney, de 1937, a mais conhecida. Seu título moderno é infeliz ao enfatizar os anões, quando o centro da atenção seria o destronamento da madrasta (ao lado) que envelhece, enlouquecida de ciúme, ante o desabrochar da beleza e juventude da filha. É um tratado sobre a tragédia feminina, os poderes, perigos e magia da beleza da mulher e da ruína que ronda o descontrole sobre as paixões, o aniquilamento do ser ante a negação do envelhecimento, da substituição, da finitude. A estória explora os poderes femininos em três gerações. A puberdade, cujo fascínio adolescente repousa inerte, passivo, desarmado, à mercê de nossa idealização, adormecido na caixa de vidro à espera do príncipe. A fase adulta da madrasta, que sabendo-se a mais bela de todas, poderosa, sedutora e desejável, não cansa de repetir a mesma pergunta ao espelho, possível olhar masculino presente na intimidade de seu quarto. Qual a mulher que se cansa de ser admirada? Todos conhecem moças que nunca param de perguntar se ainda são amadas, não adianta repetir isso mil vezes. E por fim, a bruxa, que despojada dos atrativos físicos da juventude possui outros feitiços...

Quando nasce Branca de Neve, sua mãe providencialmente morre para ser substituída pela madrasta, a quem estão todos autorizados a odiar (quem agüenta odiar a própria mãe?). Assim, a madrasta, o espelho na parede e o caçador são os pais disfarçados. Por mais poderosa que seja, a madrasta não convence o caçador a matar Branca de Neve (ele a abandona na floresta), nem consegue manter para sempre a atenção do espelho, que tudo sabe e nunca mente. Não há espaço para duas mulheres desejáveis na família, uma deverá sair. Quem são os anões? Criaturas pré-púberes (pré-edípicas), com o tamanho de crianças e barbas de velhos, ambos excluídos do jogo sexual, não representando perigo algum à inocência de Branca de Neve, companheiros de infância, advertem-na dos perigos da bruxa, sem sucesso, pois suas visitas (da Bruxa) despertam elementos sexuais reprimidos, representados pela maçã envenenada. A incapacidade de Branca de Neve em resistir à tentação a torna mais humana, seu desmaio simboliza o esmagamento ante desejos conflitantes, e seu sono letárgico, uma morte simbólica, um rito de passagem, do qual ela desperta, de indefesa, para uma nova existência, poderosa.

...e todos vivem felizes para sempre? Nada disso, a seu tempo a tragédia se abaterá sobre Branca de Neve exatamente do mesmo jeito, quando o espelho anunciar mais um destronamento. Mas desse fato as crianças são poupadas. Schopenhauer e seus seguidores, infelizmente não.

11 comentários:

  1. De todas as estórias Disney essa é que eu mais gosto....adoraria representá-la....antes no papel de Branca de Neve....agora no papel de Madrasta, isso se deve ao fato de diversas vezes sonhar( sonhos mesmo no sentido real da palavra e não só um desejo) com tal atuação!!! Que ao meu ver ( e nos meus sonhos tbm) seria espetacular!!!!

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  2. Genial a interpretação, traz contribuições epistemológicas à psicanálise. A escrita limpa, pura, branca, tal qual a protagonista. Tu poderias aproveitar essa onda de brancura e fazer uma limpeza nos comentários do teu blog. Concordo e reitero o pedido da Milena: a ANÔNIMOS não é permitido opinião, só a LEI. Aliás, por falar na Milena, ela sumiu! Será que foram as agressões sofridas por tais pessoas sem nome que a afastaram do teu blog?

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  3. Esse povo só pode dormir de calça jeans!!!! Não é possível tanto mal humor assim!!! E olha que tô na TPM hein!!!!!!!!!!!!!

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  4. Sue Ellen

    Eu te adoro!!!

    bjs

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  5. Anônimo Obrigada!!!!
    Mais um fã pra minha lista!!!!!!ahahahhaah
    Brincadeirinha.....Bjs Too

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  6. Se alguém souber de alguma companhia teatral que vá montar essa peça e estiver precisando da Madrasta...por favor me avisem....Prometo ser uma Madrasta Muito Bela e Muito Má tbm!!! Vou deixar Branca de Neve no chinelo!!!!!!!!!! AHAHAHAHAHAHAHHAHAHHAAHAHAH

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  7. Uuuuu, que escolha!

    O espelho é o alter ego masculino da madrasta, mulher que representa as pessoas independentes, inteligentes, que alcançam seus objetivos.

    A madrasta é apaixonada por Branca de Neve, sexualmente apaixonada. O desejo em tê-la é tamanho que ordena ao caçador que a mate e traga seu coração - ícone do amor e da paixão - para devorá-lo! Muito sexy.

    A madrasta não se casa de novo, não namora, não tem filhos, vive obcecada por Branca de Neve. É por isso que o espelho diz "não há no reino mulher mais bela": o espelho retrata a verdade que há na madrasta, a sinceridade, o conteúdo do coração e de sua consciência.

    Ao dar a maçã envenenada a madrastra desperta a sexualidade da princesa. Ui!

    Os anões, os animais da floresta, o caixão de vidro, o príncipe que se casa com a mulher semi morta, passiva, quieta, comportada! Melhor não me empolgar, eu adoro esse conto.

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  8. Márcia, eu sempre passo por aqui. Ao contrário do Maurício que teve uma semana da síndrome da página em branco, eu me concentrei nos meus blogs e escrevi bastante. Sem contar que fotografei a beça.

    Percebo que somos parecidas nos nossos "cantinhos": os escrevemos para nós mesmas, para pessoas que os lêem e comentam pessoalmente, com beijos, carícias, susurros, toques. Somos resolvidas! Sem contar que somos mulheres de opinião e colocamos nossas caras a bater sem medo de represálias.

    Deixe as anônimas. Se não escreverem como anônimas, não escrevem. Deixe-nas expulsar os demônios que possuem em si desta forma, acredito que não encontraram outro espaço para isso. A maturidade mudará essa atitude.

    E prepare-se, comentários ardentes saltarão no blog. Elas desejam ser como nós. Só espero que não nos desejem de outra forma porque eu sou assumidamente hétero!!!!

    hahaha

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  9. Muito boa a sua interpretação da historia Dr. Eu gosto muito destes contos, outro dia lí um livro de Levi Claud-Strauss, chamado o suplício do Papai Noel, a onde ele faz uma etnografia desta historia, e chega a conclusão de que o bom velhinho além de alegrar a vida de todo mundo no natal, ele também é um modo moderador para o comportamento das crianças do mundo inteiro, quem nunca ouviu do pai ou da mãe de que o papai noel não gosta de crianças mau criadas, e que não respeitam o pai e a mãe, acho que estes contos tem muito mais pra nos ensinar do que só uma historia bonita.
    Abraço Dr.

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  10. Fabio, gostei da dica do livro.

    Um abraço

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  11. O final da tua narrativa, quando Branca de Neve também será destronada, faz-me pensar no conceito de castração. Na estória original, a madrasta é maquiavélica, ordinária, amoral e Branca de Neve, a ética, pura e linda, isto é, não castrada. Sabemos que essa condição não existe aos sujeitos divididos pela linguagem. Não, ninguém consegue desviar por muito tempo do rochedo da castração, nem a mais encantadora das mocinhas.

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