quinta-feira, 17 de maio de 2012

Ironia


Parece que Pitágoras (séc.VI a.C.) teria sido o primeiro a usar o termo filosofia (philos-sophia), que significa “amor ao conhecimento”. Como o próprio nome já indica, o filósofo não se considera um “sábio” (sophos), mas alguém que procura (philos: que gosta, que tem afinidade) a sabedoria, o conhecimento. Mais do que um saber, a filosofia é uma atitude diante da vida, tanto no dia-a-dia, quanto nas situações-limite, que pressupõe constante disponibilidade para a indagação. Por isso, Platão e Aristóteles afirmaram que a principal característica do filósofo é admirar-se, ser capaz de se surpreender com o óbvio e questionar as verdades estabelecidas. Essa é a condição para problematizar, o que caracteriza a filosofia não como posse da verdade, mas sim como sua busca sem fim. Algo parecido, como me indicou minha amiga Luiza Pastor, muito apropriadamente, com a postura do bom artista, que o ranzinza aqui criticou.
Do termo eironeia, “ação de perguntar, fingindo ignorar”, veio “ironia”. No sentido atual, usamos a ironia para dizer algo expressando exatamente seu contrário. Por exemplo, afirmo que algo é bonito, na verdade insinuando que é feio. De maneira similar, para Sócrates (470-399 a.C.), a ironia consiste em perguntar, simulando não saber e, assim, provocar a reflexão e o questionamento, sobre o que antes parecia estabelecido. É uma maneira de se fazer sentir a fragilidade do que julgamos conhecido. O interessante dessa postura é que nem sempre as discussões chegam a uma conclusão efetiva, mas traz o benefício do abandono das certezas, que julgamos ter sobre os fatos. Assim como, ao estudar um assunto, paradoxalmente, o que vai aumentando é nossa sensação de ignorância, e não de conhecimento. Uma resposta só traz mais (e mais difíceis) perguntas. Sócrates vagava por Atenas interpelando os transeuntes, perguntando coisas que pareciam óbvias, como “o que é a beleza?”, “o que é a justiça?”, incentivando o diálogo e o pensamento.
Como psiquiatra, costumo dizer que as certezas me preocupam, não as dúvidas. Exemplo: um doente tem a convicção de ser Napoleão. Enquanto ele tiver uma certeza fixa disso, está numa situação muito doentia. Quando ele começar a aceitar apenas a leve possibilidade de que possa estar errado (a dúvida), temos o início da melhora. Essa convicção é um delírio, uma crença falsa, inquestionável, imune à argumentação. A dúvida, para mim, é um indicativo de saúde.
Concluindo, a filosofia é a procura, não a posse, da verdade. A ironia, um instrumento nessa busca.

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