sexta-feira, 24 de junho de 2016

A surpreendente estória da SN-1054






Na noite de 04 de julho do ano de 1054, os astrônomos estavam observando o céu como faziam há milênios, quando algo extraordinário aconteceu na constelação de Touro. Uma luz extremamente brilhante começou a emergir da ponta do chifre do touro, superando tudo o mais no firmamento, infinitamente mais brilhante até mesmo que Vênus, e aumentando de intensidade a cada momento.

Era um evento magnífico, a "explosão" de uma estrela, chamada Supernova. Sabemos a data exata porque astrônomos àrabes em muitos países a viram e fizeram registros. Coincidem com registros chineses extremamente precisos da chamada "estrela visitante". Índios do Arizona também a viram e ficaram maravilhados. Nativos do Pacífico Sul registraram o milagre. E quando o dia raiou, a Nova Estrela estava tão brilhante, que podia ser vista ao mesmo tempo que o Sol, que não estava muito distante, em Câncer.

Por 23 dias, os astrônomos de Catai e da Arábia nos informam, esta Nova Estrela dominou o céu, quase tão brilhante quanto o Sol, o mais incandescente evento registrado na história dos céus. Nenhuma outra nova jamais chegou perto desta. Foram 23 dias incomparáveis, quando observadores do mundo inteiro ficaram aturdidos com aquele milagre. Seu brilho desafiava o Sol e dominava o céu noturno, como um farol radiante. Os dias tinham uma estrela brilhando em competição com o Sol, e as noites não escureciam, pois a Nova se incumbia de iluminá-las. E então, numa noite, a nova grande estrela diminuiu, desvanecendo-se com uma rapidez mais vertiginosa do que surgira, até que Touro voltou a aparecer como antes, por mil anos, conforme continuaria a parecer por mais mil anos.

Esta grande estrela, que deve ter sido a visão mais extraordinária na história do firmamento, durante a observação da humanidade, foi notada na China, Arábia, Alasca, Arizona e Pacífico Sul, pois temos registros que o comprovam. Mas ninguém viu na Itália. Da Itália a Moscou, dos Urais à Irlanda, ninguém viu. Ou, pelo menos não fizeram qualquer referência. Viveram através de um dos espetáculos mais magníficos da Terra e ninguém se deu ao trabalho sequer de registrar o fato em algum pergaminho, ou especular a respeito, num manuscrito.

Sabemos que o evento ocorreu, pois hoje, com um telescópio, podemos observar os remanescentes da Supernova, que são atualmente chamados de Nebulosa do Caranguejo. Mas vasculhamos todas as bibliotecas do mundo ocidental, sem encontrar qualquer vestígio de evidência de que as pessoas doutas da Europa se deram sequer ao trabalho de notar o que estava acontecendo ao redor.


Uma era é chamada idade das trevas, não porque a luz deixe de brilhar, mas porque as pessoas se recusam a vê-la. 


sexta-feira, 25 de julho de 2014

As Pontes de Madison: um mergulho na natureza e mistérios do amor.


Francesca (Meryl Streep, ganhando o Oscar por esta atuação) é uma dona de casa comum, casada com um homem digno, que a respeita e com quem tem dois filhos. Sua vida familiar é tranquila, funcional, sem grandes dramas. Rotina, porém, que também é esmagadora e tediosa. Esta calmaria, aparentemente previsível, prenuncia a chegada de uma tempestade. Algo está faltando. Eterno insatisfeito, o ser humano, ao atingir uma aparente realização e estabilidade (no caso, a meia-idade), volta seu olhar para dentro de si, sentindo-se descontente. Francesca parece querer viver algo além do que a vida lhe oferece no momento. A consciência, sempre se transformando e evoluindo, traz a necessidade de um encontro mais profundo, que revelará o que há de mais sensível e secreto em sua individualidade.

Platão, há 2.400 anos, já nos dizia que a verdade é inatingível, algo que sempre está além. Quando imaginamos tê-la alcançado, descobrimos que precisamos seguir adiante, numa busca sem fim, como chegar ao horizonte, irrealizável. Em "O Banquete", ele nos conta que, no passado, existiam os andróginos, seres completos, com dois gêneros, tanto masculino, como feminino. Estes seres seriam tão completos, perfeitos e felizes, a ponto de sua plenitude incomodar aos deuses, que sentindo-se ameaçados por tamanha harmonia, levaram o maior dentre eles, Zeus, a partir os andróginos em duas metades, separando-as para sempre. Os humanos seriam descendentes desses andróginos mutilados, espalhados pelo mundo, todos ainda a procura de sua "metade perdida". Quando nos apaixonamos, sentimos a sensação maravilhosa de termos encontrado nosso "contrário", e nos sentimos temporariamente completos, novamente felizes. Platão nos diz que isso é uma ilusão, pois afirma que o objeto de amor sempre está ausente, ou seja, "o que se ama é somente aquilo que não se tem". 

Francesca, durante a ausência de sua família (por apenas quatro dias), conhece o fotógrafo Robert Kincaid (Clint Eastwood), e por ele se apaixona. Como ela mesmo revela depois em seu testamento, não se passou um único dia desde então, em que ela não pensasse nele. Entregar-se a esta paixão traz a estranha sensação de que ela não é mais dona de si mesma. Este homem faz com que suas reações, pensamentos, esquemas rotineiros de lidar com a vida, entrem em colapso. Ela passa pela descoberta de um "eu desconhecido", alguém estranho dentro dela, que estava lá, adormecido, esperando para ser acordado pelo outro. Passa a ter pensamentos com os quais não sabe o que fazer. Tudo o que pensava ser verdade a seu respeito desaparece. Passa a agir como se fosse outra pessoa e, no entanto, sentindo-se mais verdadeira do que nunca anteriormente. A grande tragédia de seu adultério é a consciência de fazer algo contra alguém que não o merece: seu marido traído é inocente.

Voltando a Platão. A busca de reparação do sofrimento infligido pelos deuses, essa busca do paraíso perdido, após o pecado original, através do amor irresistivelmente projetado no outro; como ensinou o filósofo, se mostra impossível. Francesca se dá conta que o amor não obedece às nossas expectativas, seu mistério é puro e absoluto. Ela percebe que o amor que vive com Robert, não duraria se eles continuassem juntos. E o tanto que ela compartilha com o marido, desapareceria se eles se separassem. A contradição aparente é que, para que o amor dos amantes sobreviva, eles precisam se separar ("o que se ama, é aquilo que não se tem"). Sem saída, ela opta por continuar casada, não nega o que sente por Robert, sofre e enfrenta. Diante da necessidade de deixar para trás o que passou e enfrentar o que desponta, ela sacrifica (torna sagrado) o presente (seu amor por Robert), preservando valores imprescindíveis, como a criação dos filhos, a parceria de confiança e generosidade que tem com o marido. A solução que ela encontra, a grande síntese, consiste em reprimir o amor, permanecendo com a família. Apesar da ausência daquele a quem ama, passa a viver com ele secretamente por toda a vida, internalizado, na verdade mais profunda, como parte de sua alma, sua metade perdida.



AUSÊNCIA
Por muito tempo achei que ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje, não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.
(Carlos Drummond de Andrade)


sábado, 14 de dezembro de 2013

Casais Felizes


O amor é frágil, sobrevive muito mal à realidade. A felicidade é uma foto sobre uma mesa, em um mundo que adora mentir sobre si mesmo. Olhando a foto do casal feliz acima, percebo como é banal nossa revolta contra a evidente ausência de sentido da vida. Todos nesse momento atiram pedras em Elize Matsunaga, como a reforçar como são diferentes dela. Existe um pacote de mentiras básicas propagadas pelas pessoas que querem ser consideradas felizes por seus próximos. Mais uma forma de intoxicação nas próprias mentiras, desses hipócritas do bem. Quase tudo é farsa na pretensa vida superbem resolvida de gente superlegal, alto-astral, que não trai o cônjuge, que ama as plantas, que protege o planeta das sacolinhas plásticas. Aqueles que trazem no rosto o sorriso idiota da capa dos livros de auto-ajuda, essa praga que ensina as pessoas a serem mais burras do que já são, exalam um fedor que sinto de longe.
Não temos como escapar da maldição da infelicidade, pois, da mesma forma que a dor, ela está programada em nossos genes. Os homens traem muito suas mulheres, isso é uma verdade desagradável, que os escravos da mania de felicidade não gostam de admitir. Existem prostíbulos de luxo em São Paulo, repletos de executivos, cujas esposas estão na academia, ambos traindo um ao outro. Claro que também existem aqueles que são fiéis às esposas, mesmo que isso implique em sua própria infelicidade. Vivem num faz de conta supremo, onde a mentira bonita é preferível ante a nauseabunda condição humana. Pois os seres humanos vivem uma realidade terrível, com medo constante do fracasso, da doença, da mediocridade. Somos vítimas de nossas incontroláveis paixões, de nossa finitude e efemeridade. Seres esquecidos e abandonados à própria sorte, somos como barcos à deriva, navegando sem rumo por um oceano desconhecido, de instintos e impulsos, que fatalmente terminará no envelhecimento, no adoecimento e na morte. Sem opções. Viva tranquilo com isso.
Um limite muito tênue e artificial nos separa desse casal infeliz. Por puro acaso essa mulher foi presa, enquanto outra tão ou mais vagabunda que ela, com um marido tão ou mais imbecil que ele, continuam aprontando por aí. Há mais assassinos soltos do que presos, nesse mundo sem justiça. Esse pobre japonês não tinha capacidade para conquistar e seduzir mulheres com seu charme (o coitado era muito feio), mas como muitos japoneses que eu conheço, se achava irresistível. Suas gorjetas de R$ 27 mil deviam ser mesmo irresistíveis para meninas pobres e gostosinhas. Me dá é pena da ordinária que teve o azar de ver morrer a galinha dos ovos de ouro. Não podia acabar bem. Nunca vai acabar bem. Esteja preparado, quando sua vez chegar, e não for mais possível fugir da miséria da existência, aí você entenderá melhor, o que significa ser o habitante de um mundo sem sentido.

Facebook, o mural da miséria humana.



Um grande professor que tenho, dizia que a miséria humana vem à tona nas delegacias e nos consultórios de psiquiatria. Assombrados como vivemos hoje em dia pela falsa necessidade de permanente conexão à rede; essa mesma miséria humana, antes escondida, está superexposta nos maiores murais da infelicidade humana que já tive o desprazer de conhecer: as famigeradas redes sociais, em particular, o Facebbok, o melhor local para estudar o comportamento do Abominável Homem Conectado.
Humanos que somos, nos sabendo fracos, egoístas e covardes, criamos mitos de deuses incondicionalmente bons, amorosos, tremendamente poderosos (e paradoxalmente humildes). Nestes deuses, os desesperados, quando pouco inteligentes, se apegam, buscando pela salvação, que não virá nunca. Enquanto esperam, demonstram a angústia banal de sua carência afetiva, neste infeliz painel da internet (o Facebook), geralmente de maneira monótona, superficial e pouco criativa, projetando seus pobres sonhos, seus desejos infantis, suas frustrações, na forma de falso otimismo, destemor e segurança. Pelo que escrevem, até poderia parecer que as pessoas se amam,que são boas e ajudam umas às outras. Que acreditam em Deus, que seguem seus mandamentos, e por isso são respeitáveis.
Desconfio muito de gente que fala bem de si mesma e do mundo hostil em que vivemos. Isso explica a repulsa por mensagens pretensamente otimistas.  Fotos de paisagens bonitas, animais felizes em harmonia com árvores frondosas, debaixo de um Sol de brilho quase sorridente, emocionam idiotas românticos aos montes, e ilustram muito bem o desejo de transformar um mundo interno sombrio naquele falso paraíso que vemos nos desenhos de Bíblias para crianças, onde o Leão não é feroz, mas mansamente sorridente, e olha para o veadinho ao seu lado sem a intenção de matá-lo e simplesmente comê-lo, seu real (e negado desejo). A beleza dócil das boas intenções que proliferam no facebook encontra sua contrapartida na solidão de quem nele perde seu tempo.
 

Psicologia da Religião (2): o Apocalipse

 

Quando o livro (bíblico) do Apocalipse foi escrito, apenas Deus tinha o poder de acabar com o mundo. Isso mudou. Antes que o homem aprendesse a ser racional ou pacífico, antes de perder o desejo de matar, ele criou armas nucleares, e a capacidade de acabar com todos os outros homens. Num mundo potencialmente tão perigoso, não é mais admissível que decisões importantes sejam delegadas a pessoas irracionais e religiosas. Nações são como naves gigantescas, viajantes no tempo, e deveriam ser guiadas com bússolas e bom-senso, não por livros de receitas de cozinha, escritos na noite dos tempos, na Idade das pedras, quando parecem ter tido alguma utilidade. Outros livros foram escritos depois, mais adequados aos novos tempos, que vieram após o Paleolítico. Porque eu acho as religiões perigosas? Porque elas permitem aos homens acharem que tem respostas sobre questões importantes, quando na verdade eles não tem. Quando alguém disser, com aquela expressão esbugalhada do crente, aquele sorriso deslumbrado, estúpido e fixo, que sabe o que vai lhe acontecer após a morte, não acredite. Ele não sabe. Ninguém sabe. Simplesmente porque ele não tem poderes mentais superiores aos outros, para ter acesso a verdades “ocultas”. A única atitude apropriada para o homem diante das grandes questões da vida é a dúvida e a incerteza, uma postura de humildade. Exatamente o oposto das certezas arrogantes, marcas registradas das religiões, de seus dogmas. Ter fé é a atitude absurda de tornar o não pensar em uma virtude. Aqueles que pregam a fé, são escravizadores intelectuais, suas doutrinas não vieram dos céus, mas de dentro deles mesmos, humanos que são, com todas as limitações, corrupções, mentiras e motivações pessoais secretas, que, como todos nós, eles também tem.
As religiões justificam a loucura e a destruição. Até na Medicina, o manual americano de diagnóstico e estatística de transtornos mentais (o DSM), avisa com cautela que, se sintomas de loucura, como delírios e alucinações, ocorrerem dentro do “contexto religioso”, o diagnóstico de doença mental não deverá ser feito. Ou seja, se aos domingos você acredita beber o sangue de uma figura mítica, nascida de uma mãe virgem há dois mil anos, que realizava milagres (como ressuscitar mortos); ou então se acreditar em cobras traiçoeiras falantes; sossegue, você não está louco.
“Adquirir armas nucleares em defesa dos muçulmanos, é um dever religioso” (Osama Bin Laden)
“A política externa dos EUA, é resultado da vontade de Deus”(George W.Bush)

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Parto em Casa


Meu corpo, minhas escolhas. Será mesmo? Recentemente sofri de uma pneumonia. Não me mediquei, apesar de ser médico, pois sei que outros colegas entendem melhor sobre antibióticos do que eu. Poderia ter me medicado? Poderia. Se um biólogo ou um historiador sofrerem do mesmo mal, podem se medicar? Se forem idiotas o suficiente, podem. Se for um imbecil total, pode se tratar com homeopatia, ou remédios “naturais”. Tem gente que é contra o uso de antibióticos, por ideologia. Dentro de certos limites, as pessoas fazem uso de seus corpos, de acordo com suas escolhas. Tem gente que toma sol sem protetor solar. Tem quem fuma, quem bebe, quem ama maconha. Tem gente que se atira de pára-quedas, de asa-delta, que faz mergulhos radicais. Tem aqueles que adoram sexo sem camisinha com estranhos.
Com relação aos partos, também assistimos a modismos bizarros. Houve a moda do parto de cócoras, “natural como o das índias”. O parto embaixo da água. Parto com música clássica. Quando a anestesia começou a surgir, no séc.XIX, os médicos tinham medo de usá-la no parto, pois na bíblia estava escrito que a mulher deveria “dar à luz em dor”, conforme se lê no Gênesis, por ter comido a maçã. Parto com anestesia, sem dor, ia frontalmente contra as ordens de Deus. Eu acredito que cada louco tem o direito de fazer a maluquice que lhe couber, pena que, nesse caso, quem sofreria as consequências de uma indesejada complicação, seria o inocente, que não tem culpa por ter uma mãe idiota.  
Acho válido: meu corpo, minha idiotice, minhas escolhas

Drive-Thru de Oração

 
A vida é cheia de mistérios, e é difícil conviver com as diferenças. Afinal o que importa, no fundo, é chegar a Deus, sentir sua presença em nossa vida cotidiana. Mas a vida no mundo moderno é uma correria. Pensando nisso, a Igreja Universal do reino de Deus lançou o “Drive thru da oração”. Com ele, o motorista não precisa nem descer do carro para ser abençoado, e seguir viagem tranqüilo, em segurança.
Com o lema: “pare, ore e siga”, mais uma vez, os mistérios de Deus se anunciam aos homens.O que importa é que somos todos irmãos, filhos do Deus vivo, humildes estudantes sem fim da Palavra, lendo Kardec, felizes por sermos católicos ou pagando dízimos, somos partícipes do mesmo mistério. Pena que algumas pessoas ainda brinquem com isso. São vidas empobrecidas.
 

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

O Pomo da Discórdia (às vezes convém ficar quieto)




Para a festa do casamento de Peleu e da ninfa Tétis, futuros pais de Aquiles, os deuses do Olimpo, preferiram não convidar Éris, a deusa da discórdia. Ninguém queria vê-la em dia de festa, pois onde ela aparecia, as brigas e desentendimentos suplantavam a harmonia. Mas, como não podia deixar de acontecer, Eris aparece justamente onde não foi chamada, furiosa. Para se vingar, joga na mesa dos deuses um pomo de ouro com a inscrição: “Para a mais bela”. Como era de se esperar, as três deusas mais próximas, se consideraram merecedoras, e o conflito lentamente se insinua até terminar em tragédia. Zeus, experiente chefe de família, chamado para decidir a questão, gentilmente recusa a tarefa, evitando tomar qualquer partido na briga. A decisão recai sobre Páris, príncipe de Tróia, que com a ingenuidade da juventude, aceita o papel de juiz.
As três deusas se apresentam a Páris, e cada uma delas, para receber a indicação de “a mais bela”, e então poder levar o pomo de ouro, a fim de ganhar seu voto, promete a ele aquilo que ela própria representa. Hera, esposa de Zeus, que reina sobre os deuses, promete que, se for a escolhida, Páris receberá um reino sem igual na terra. Atena, deusa da inteligência, das artes e da guerra, lhe garante, sendo eleita, sabedoria e glória. Já Afrodite, deusa do amor, lhe garante a sedução da mais bela dentre todas as mortais.
Páris dá o pomo a Afrodite. Para a grande infelicidade de todos, a mais bela mortal é Helena, mulher de Menelau, rei de Esparta. Com ajuda de Afrodite, então Páris seduz e rapta Helena, dando início à maior guerra de todos os tempos: a Guerra de Tóia. Eris conseguiu seu objetivo. Não é por acaso que o nome da deusa da discórdia é tão parecido com o nome do deus do amor: Éris e Éros. É porque passamos de um ao outro com imensa facilidade, a ponto de se dizer que são faces opostas do mesmo fenômeno. Amor e discórdia.
Fez bem Zeus ao ficar de boca fechada.

Fantasmas Existem



O processo de luto é um exemplo do que chamamos de elaboração psíquica, algo parecido com uma digestão da realidade. Não basta registrar um conhecimento, é preciso colocá-lo nos lugares certos: consciência e memória. É preciso aceitar as circunstâncias da vida, sejam felizes ou dolorosas. Devemos matar os nossos mortos, para que tenham paz e nos deixem viver tranqüilos. Ao negar a morte, construímos um fantasma, que perambula em nossa volta. Se alguém nos tiraniza depois da morte, é provável que nos fizesse o mesmo em vida, e se nega a desaparecer. O luto não acaba, a relação e o sofrimento persistem. Aqueles que nos amam de verdade, participam de nossa felicidade, não precisam de uma pseudo-vida eterna. Morrem e nos deixam viver.
Nas pessoas com dificuldade em aceitar a morte, o processo de luto não se conclui, acontecendo que se perpetuem a dor e o sofrimento. Tristeza, desesperança, morbidez. Tornam-se um peso “morto” para os amigos.
Nunca fui assombrado. Mas acredito em quem diz ver fantasmas.

Sexo: o inventor do envelhecimento



Fruto da união de seus pais, um bebê nasce. Se tudo correr bem, ele se tornará uma criança, depois um adulto. Sobrevivendo às intempéries, poderá ter os seus próprios filhos, envelhecer e, por fim morrer. Neste processo, sem que ele saiba o porquê, às vezes sentirá vontade de beber água, às vezes de se alimentar. Sentirá atrações irresistíveis pelo sexo oposto, desejo de aconchego, raiva, alegria, tristeza, sono e outras coisas. Seu corpo e psiquismo vão mudar independentemente de sua compreensão, e muitas vezes contra sua vontade. A partir de certo momento, seu vigor entrará em declínio progressivo e a morte será o desfecho inevitável. Não adiantaria em nada cercá-lo de todo o conforto, alimentação saudável, medicina de primeira. Ele vai morrer, não importa o que se faça. A morte é um evento previsto e programado em seu genoma.
Bactérias e protozoários podem se reproduzir de maneira assexuada, simplesmente se duplicando por mitose. Uma célula vai crescendo lentamente até ficar grande, e se divide em duas menores. A célula “mãe” deixa de existir, sem morrer, sem deixar um “cadáver”. Ao contrário, produz dois “filhos” genéticamente idênticos a ela. Na verdade, não há mãe ou filho, são mais como irmãos gêmeos. Se conseguirem alimento, abrigo e não forem devorados, como nós, poderão continuar se reproduzindo, mas com uma diferença muito interessante: não “envelhecerão”. Poderão morrer, caso sejam devoradas, queimadas, ressecadas. Mas, se forem deixadas em paz e com alimento, prosperarão sem limites. O universo bacteriano desconhece a morte “natural”, por envelhecimento Existe algo de imortalidade na vida das bactérias.
Ao clonarem mamíferos, os cientistas se depararam com o inusitado fato do envelhecimento precoce dos clones. Isso é coerente com a programação genética que carregamos para definhar, passado o período necessário à reprodução. Essa programação passou a existir com o advento da reprodução sexual. Ao que tudo indica, durante os primeiros 2,5 bilhões de anos, a vida na terra se manteve exclusivamente em formas unicelulares simples, muito semelhantes às bactérias atuais. A evolução para formas multicelulares, como nós, incluiu duas novidades: o sexo e a morte programada.

Se você gosta de sexo, nunca se esqueça disso. É por causa dele que vamos morrer.

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

A cura pela palavra: Buda

 
Os antigos classificavam os médicos como os que curavam com “a faca”, as ervas ou as palavras. Cirurgiões, clínicos e psiquiatras. Perguntam-me como pode, através da psicoterapia, a palavra curar. Vou ilustrar com exemplos.

Kisagohtami não se conformava com a morte de seu bebê. Como louca, perambulava pelos vilarejos carregando o cadáver de seu filho, acalentando-o como se estivesse vivo, procurando a “cura” para seu filho “doente”. Quando alguém dizia que ele estava morto, causava sua fúria, e ela ficava violenta. Assim, todos se afastavam dela e ninguém sabia o que fazer para ajudar a pobre delirante. Ela foi então levada a um iluminado, Buda. Este a recebeu, e com delicadeza, sem confrontá-la com o absurdo de seu pedido, disse calmamente que sabia como ajudá-la. Disse que para curar seu filho, precisaria de sementes de papoula. Pediu a ela que fosse até a cidade buscá-las, mas advertiu que as sementes deveriam vir apenas de casas de famílias que nunca tivessem sido tocadas pela morte. Kisagohtami foi à cidade, encontrou muitas casas, todas com papoulas, mas nenhuma nas condições pedidas por Buda. A morte atingia todas as casas. Retornou a ele e, diante de sua calma presença percebeu o significado secreto de suas palavras. Não é possível fugir da morte. Como despertando de um pesadelo, sua mente se recuperou, e ela pode então prantear a morte de seu filho e sepultá-lo.
Apenas com o poder da palavra, sem confrontação, sem imposição, ele conduziu gentilmente seu pensamento para fora do delírio, possibilitando a descoberta e aceitação do inevitável, não eliminando seu sofrimento, mas lidando com ele de maneira mais adequada. Recebeu a angústia da mulher, aceitou-a com empatia, e com uma abordagem não crítica nem onipotente, expandiu sua percepção da realidade. Para isso, não fez uso de remédios, orações ou danças. Sem precisar fazer uso de nada sobrenatural, levou a luz para onde havia trevas. Clareou o que estava no escuro. Esclareceu.

Dona Flor e seus dois maridos



Vadinho, o primeiro marido de Flor, lhe apresentou as delícias e dores do amor. Encantador para as mulheres, quase irresistível. Era charmoso, sensual, atrevido, sedutor e inconsequente. Mas também mulherengo e irresponsável. Com ele tudo era intenso. Bebia, jogava, tinha amantes.Não trabalhava, vivia na farra. Todos adoravam sua companhia. Não ligava para o futuro, só queria viver o aqui e agora.
Teodoro, o 2º marido de Flor, era o oposto. Honrado farmacêutico, homem trabalhador, culto e educado. Oferecia todas as seguranças que uma mulher pode querer, respeitabilidade social e fidelidade acima de qualquer suspeita. Mas não tinha graça nem encantava ninguém. Não perturbava os sonos de Flor, não despertava seus desejos. Era um chato.
Freud, em sua teoria estrutural da mente, descreveu o que chamou de Id, um reservatório inconsciente de energia e de pulsões, sempre ativas, regido pelo princípio do prazer, exigindo satisfação imediata desses impulsos, sem levar em conta a possibilidade de conseqüências indesejáveis. Jorge Amado o chamou de Vadinho.Freud chamou de superego o censor, um juiz rigoroso, vigia cruel e incansável, modelo de conduta, contendo os ideais derivados de valores familiares e sociais. Fonte de sentimentos de culpa e medo de punição. Corresponde, no romance a Teodoro.
Dona Flor sofria para conciliar os opostos. Protegia Vadinho, a quem desejava; de Teodoro, a quem respeitava. Precisava do calor de um e da segurança do outro. Ela corresponde ao Ego, funciona do em nível mais consciente, regido pelo princípio da realidade, procurando se equilibrar entre os outros dois, permitindo a realização parcial de desejos do id (Vadinho), mas sempre sob a rígida vigilância dos limites impostos pelo superego (Teodoro), num conflito permanente entre forças opostas, tentando conciliar o conflito. Ela personifica o drama constante de todos nós: o equilíbrio entre a realização dos desejos, conseguindo o máximo de prazer, com o mínimo de prejuízos.

O Silêncio de Cordélia



Goneril e Regane proclamam seu amor pelo rei, relatam sacrifícios que por ele fizeram, exibindo sua dedicação, pleiteando maior atenção paterna. Frente ao pedido do pai por provas de seu afeto,e diante de suas irmãs, Cordélia, a terceira filha do Rei Lear, pensa consigo mesma: “Cordélia, o que farás? Ama e te cala... por que seu amor é mais rico que sua língua”.A honrada Cordélia recusa a envolver-se na discussão hipócrita, com vistas ao lucro ante as riquezas do pai, sendo então excluída por ele de toda e qualquer parte de sua herança. O rei diz: “Nada virá de nada” (William Shakespeare,Rei Lear, ato1, cena1).
O erro trágico de Lear, que levará à cegueira, à loucura e, por final, à morte, está em não reconhecer que o silêncio pode incorporar em si os mais profundos e importantes significados. Tive o prazer e a honra de assistir ao inigualável Raul Cortez no papel de Rei Lear. E todo dia me deparo com situações que refletem essa mesma realidade. Aquilo que não é dito pelos pacientes, ou esquecido, ou desviado, muitas vezes tem mais importância do que aquilo que é repetido, às vezes até a exaustão. Da mesma forma como na vida nos deparamos com pessoas que dizem fazer e seus opostos, aqueles que fazem em silêncio. As palavras nos enganam mais do que os fatos, e o silêncio pode ser muito valioso.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

O que querem os homens?



A prostituição feminina no Japão antigo era altamente sofisticada. Esposas eram restritas aos cuidados com o lar e filhos. As cortesãs (prostitutas) é que eram procuradas pelos homens para o sexo e envolvimento amoroso. Recebiam uma educação sofisticada, que costumava se iniciar muito cedo, quando ainda crianças. Aprendiam literatura, música, artes, história, etiqueta, etc... "Mulheres para brincar" eram classificadas e recebiam licença legal para trabalhar em "casas de prazer", com preços muito variáveis, muitas vezes negociados pelas próprias esposas dos clientes, que não raro, as escolhiam. A fala abaixo foi extraída do romance "Gai-Jin" (estrangeiro, em japonês), de James Clavell, e ilustra como uma cortesã era instruída por sua superiora, no Japão do século XIX:
"É esse meu dever, treiná-la, mantê-la gentil e generosa, disposta a se sacrificar pelo prazer do homem... não por seu impulso. É isso o que mantém os homens felizes e contentes, o prazer, em todas as suas manifestações. Aprender é a parte mais importante de nosso trabalho. É fácil satisfazer o corpo de um homem... um prazer transitório... mas é difícil agradá-lo por um prazo mais prolongado, envolvê-lo, conservar seu favor. Isto deve vir através dos sentidos da mente. Para consegui-lo, é preciso treinar com extremo cuidado. Não é sexo que os homens realmente procuram em nosso mundo, mas romance... nosso fruto mais proibido."

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

O fracasso nos torna humanos


O fracasso é necessário. Qualquer professor de jardim da infância sabe disso. O fracasso prepara o indivíduo a lidar com frustrações. E a vida, é um acúmulo progressivo de frustrações, que se sucedem e amplificam. No fim, todos fracassaremos. Todos. Pode reclamar e gritar à vontade, que não vai adiantar nada.
O sucesso é traiçoeiro. Uma pessoa de sucesso, se sente bem-recebida onde quer que vá, portas lhe são abertas, tapetes estendidos. Cercada de olhares de admiração e inveja, sua opinião é ouvida e respeitada. Tem acesso a vantagens e realização de prazeres, inatingíveis aos menos favorecidos, os comuns. O perigo é que ninguém faz sucesso o tempo todo. Ele já vem com os dias contados.E quanto mais alto se estiver, maior a queda. A mulher gostosa vai envelhecer; inconformada vai perceber que está se tornando "invisível" ao olhar masculino, quando antes, era o centro das atenções. O empresário brilhante será ultrapassado. O reinado do leão é passageiro, ele será destronado por um rival mais jovem, como todos que vieram antes dele, e os que virão depois. É biológico, não tenho culpa. Se quiser culpar alguém, culpe a Deus por ter feito desse jeito, não a mim, por denunciá-lo. Ele é sim, um sacana, uma vez que podia ter feito diferente.
Prefiro o fracasso. Ele está mais próximo da condição humana, que é precária, incerta, assustadora, amedrontada, insegura. Afinal, o homem é um cérebro pensante, sendo carregado de um lado a outro por quem? Por um mero tubo digestivo! (aquele mesmo, que solta flatos e defeca). O cérebro é uma alma, capaz de realizações divinas; ele pensa, vê, opina, se emociona, é capaz de construir obras magníficas, prédios gigantescos... poesia, filosofia, arte! Consegue ir à Lua! Mas o corpo... o tubo digestivo que o carrega, e do qual ele depende... tem algo de apodrecido, impuro em seu interior, e está fatalmente condenado à decadência, à falência fisiológica, à inevitável ruína do envelhecimento, da doença e da morte. O ser humano tem uma alma divina, sempre se aprimorando, melhorando... conduzida por um corpo que apodrece e se desfaz, enquanto a divindade assiste, impotente. Esse é o paradoxo. Não importa o que você faça, a derrota final está sempre te esperando. E durante a embriaguez do sucesso, você não entra em contato com essa desagradável realidade. Deus, o sacana, pelo menos te ajude em sua queda. Assim espero.
Meus pacientes estão livres da obrigação de fazer sucesso. E perdoados por fracassar.