terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Coragem e covardia

Diante das muralhas de Tróia, sedento por vingança, o poderoso Aquiles desafia Heitor para uma batalha de vida ou morte. Todos sabem que Aquiles, filho de deuses que é, não será derrotado numa luta comum, desfecho desta já foi decretado por Zeus. Serenamente, Heitor fornece orientações à sua esposa, Andrómaca , pede que seu pai, Príamo, lhe perdoe por seus erros e lhe deseje sorte, empunha sua espada e parte para uma batalha de resultado conhecido. Ele sabe que vai morrer, que não há nada que possa ser feito para alterar este fato. Mesmo assim, segue adiante, sem esperança de manter qualquer coisa, além de sua honra. Ele lutará até a morte em defesa daqueles a quem ama, sem cenas, sem alarde e sem arrependimento. Simplesmente cumprirá o destino que lhe cabe. O último episódio da Ilíada, narra os funerais de Heitor, depois dos quais o destino de Tróia está selado. À imagem simbólica da morte do homem, segue-se a destruição de sua cidade.  
A beleza da tragédia grega, o que a torna tão familiar, é que entre seus personagens, como entre seus deuses, não existem bandidos nem mocinhos, vilões ou inocentes, bons ou maus, todos são movidos por interesses e emoções comuns, egoístas, vaidosas, mesquinhas. São humanos demais.

Heitor contrasta fortemente com Aquiles, pois lutava por Tróia, sua família, e sua honra. Já Aquiles lutava apenas pela glória. Existem pessoas que se identificam com Aquiles, admirando sua força incomparável, seu poder de sedução. Estes são os meninos, que sonham em ser fortes, querem ser como deuses, admirados e invejados... desejos naturais em meninos, seres incompletos que são, em formação, como todos nós já fomos um dia. Mas alguns já deixaram de sê-lo e se tornaram homens. Estes se reconhecem na figura de Heitor, que mesmo sabendo de seu trágico destino, dele não foge. Heitor é o adulto que enfrenta a batalha diária da vida, sem recuar, mesmo sabendo que no final será subjugado, morto, derrotado.  

Deixemos os gregos um pouco de lado para pensar nos Italianos. Sei que esse assunto já foi explorado à exaustão, mas não consigo resistir em comentá-lo, pois foi ele que me lembrou Heitor. Porque será que o comportamento covarde do Comandante Schettino, que se recusou a voltar a bordo do navio Costa Concordia, enquanto este afundava no mar Tirreno, em decorrência de sua própria incompetência e fanfarronice, nos choca tanto? Imagino que seja devido ao fato de que reconheçamos nossa própria fraqueza em seus atos, nossa covardia humana secreta, guardada a sete chaves. Por isso repetimos, gritando ao mundo, à imprensa, até em camisetas, nossa indignação oficializada na frase de Gregorio de Falco: “Volte para o navio, Caralho!”. Covarde é o outro, não eu, por isso preciso denunciá-lo, afinal, eu pertenço ao grupo dos bravos, me identifiquei com a figura de Heitor.

Estou com pena de Schettino. Aos 52 anos, um napolitano com perfil de bon-vivant, causou uma desgraça quando, após tomar umas taças de vinho a mais, decidiu exibir sua habilidades à bela Domnica Cemortan, de 25 anos, por quem nutria desejos pouco recomendáveis a homens como ele, casados. Como um menino que pega escondido o carro do pai para impressionar a namorada, deu no que deu. Se você não guarda nem um pouco de piedade por Schettino, não o culpo. Mas, voltando 3.200 anos no tempo, aos gregos de Homero, na IlÍada, a fundadora da literatura ocidental. Quero lembrá-lo que a guerra de Tróia, a maior travada até então, também foi causada pelo assanhamento masculino, essa incapacidade de alguns homens em resistir a um belo par de pernas. Páris, irmão de Heitor, encantou-se por Helena, a mais bela mortal. Mas, covarde que era, fugiu da luta com Menelau, marido humilhado e traído, causando a guerra que culminou na morte do corajoso Heitor. Repare em um detalhe: embora covarde, Páris não era burro. Treinou sua pontaria com arco e flecha e matou Aquiles, acertando-o no calcanhar, seu único ponto frágil, fechando o círculo.  

Para saber mais sobre Heitor ou Schettino, compare as duas postagens abaixo...

Um comentário:

  1. Foram duas grandes besteiras em seguida, né...primeiro querer se mostrar pra menina....que aposto nem ligou.....e o segundo fugir.....se ele não tinha coragem não deveria ter aceitado esse cargo que pressupõe ter um senso de dever apuradissímo....eu, com meu grau de covardia, eliminei inúmeras escolhas profissionais justamente para não ter que me deparar com pressões que sabia não queria enfrentar...sgc

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